Por vezes, acontecem desgraças na vida das pessoas. E, por vezes, essas desgraças acabam se tornando muito engraçadas. Claro, esse tipo de coisa - se acontece com você - você não conta, mas isto aconteceu com a amiga de uma amiga minha. Era uma vez...
Uma mulher que estava em um relacionamento. Enfim, depois de muito doente, esse relacionamento veio a falecer. A mulher, agora uma jovem viúva, acreditava não mais conseguir relacionar-se com outra pessoa. Eis que um belo dia, ela recebeu um convite encantador: "Te arruma que tô passando aí".
Bueno, ela fez uma chapinha, colocou a melhor roupa, o melhor batom, até um anel ela colocou... na esperança de sabe-se lá o quê, visto que ela não usava um anel desde que... bom, ela nunca usava anel! Então, ele chegou, parou seu carro. Ela entrou. Inocente, foi beijar-lhe o rosto, mas ele a beijou nos lábios. Ela sorriu. Ele viu que agradou. Beijou-a novamente. Ela, então, disse-lhe "oi".
Estava uma noite terrivelmente fria. Ele ligou o ar-condicionado. Ficou quentinho e embaçado. Eles decidiram que queriam ver o Rio. Atravessaram a Ponte Internacional Mauá, cruzaram a fronteira, passaram a zona comercial de Rio Branco e pararam o carro no barranco, de frente pra água. Ele colocou uma música. Ela tirou os sapatos. Ambos se puseram a 'conversar'. Riram muito. As horas passaram como se fossem minutos.
De repente, não mais que de repente... ouve-se o silêncio absoluto. Sem o ar-condicionado, sem a música. Nada. Sem um pinguinho de bateria. Ele disse: Caralho! Ela olhou para ele com os olhos esbugalhados. Ele disse: Desculpe o palavrão. Ela disse: Tudo bem. Afinal, ela sabia que não se pode provocar homens que estão em "trabalho de parto" com seus automóveis, uma vez que seu último namoro havia terminado, dentre outras coisas, porque ela entendia mais sobre [texto original suprimido]. Há! [grifo meu]
Ele deu início ao que muito popularmente conhecemos por "tentar pegar no tranco". Sozinho era difícil. Pois ele tinha que empurrar o carro até em cima do barranco, entrar correndo e tentar fazer o carro pegar em segunda. Ele fez isso diversas vezes. Por sorte, ele era extremamente forte. E ela extremamente leve. Mesmo assim, ela resolveu sair do carro para olhar a noite de perto. E como estava escuro! Ele perguntou se ela estava com frio. Ela disse: Um pouco. Ele pôs a jaqueta dele nela. Ela sentiu como se estivesse em pé, dentro de um saco de dormir.. estava quentinho, cheiroso e cobria até as canelas dela.
De repente, ainda mais que de repente... ele perguntou se ela sabia dirigir, para ajudá-lo. Ela limitou-se a dizer que não, embora ela já tivesse mais de 45 horas de aula prática de direção (e três reprovações que a levaram a desisir de tirar sua CNH).
Ele percebeu, então, que sozinho não conseguiria. Subiu a rua e se parou a parar os carros que passavam, em busca de um carregador de bateria. no entanto, o lado ruim de estar na rua numa terça-feira as 2:30h da madrugada é que não há muita gente na rua. E os poucos que passavam, não queriam saber de "chupeta" e se mandavam assustados, cantando pneu.
A única solução encontrada foi a de ligar para a polícia uruguaia. Então, eles ligaram para a polícia, que prontamente veio guinchá-los. Já no asfalto, eles andaram para lá e para cá (puxados pela polícia) pra ver se o carro pegava. E pegou, demorou mas pegou.
- Gracias.
- No por eso.
No entanto, enquanto ele fazia o carro pegar, acredito que ele tenha "sentado o pé" forte demais, porque o acelerador simplesmente parou de responder. Resultado: O carro se modernizou, ficou automático. Acelerava quando queria, bem como diminuia a velocidade quando queria. O câmbio de marchas e os pedais passaram a ser meros acessórios absoletos.
Apesar de terem aproveitado, a maldita bateria acabou com a noite. O carro havia estragado. E o pior, ela precisava descer do carro, mas o carro não parava!! Eis que ele, muito brincalhão como sempre, fez a seguinte proposta: Vamos fazer o seguinte, quando eu passar na frente da tua casa, tu te atira. Eles riram, mas ela sabia que não havia outro jeito. Se beijaram comicamente do jeito que lhes foi possível e falaram algumas palavras que ela já não recorda mais.
Resultado: Em estilo dublê de James Bond, ela desceu do carro, adentrou a casa e foi acordar sua irmã, afinal, precisava compartilhar o ocorrido.
Ela só consegui repetir que havia esperando mais de cinco anos para sair com ele e que, agora, havia terminado assim.
Mas ela não sabia de um detalhe: Não havia acabado. No fim de semana, eles se encontraram no bar. Desta vez, ele a beijou no rosto. Ficaram boa parte da noite se olhando de longe. Ela dançou com todos os 'cavalheiros' que a tiraram para dançar e tirou alguns que não tinham coragem. No entanto, havia um menino que dançava, digamos, agarrado demais. Ele não gostou. Foi até lá. Pegou-a da mão e disse... Na verdade, ele não disse nada, mas ela o entendeu.
Sairam do bar, estava tão frio quanto naquela noite. Ele colocou a jaqueta sobre ela. Foram conversar, nenhum dos dois falou sobre o ocorrido da terça-feira.
O bom dos contos de FODAS é que, assim como os contos de FADAS... eles vão se imortalizando conforme vão sendo contados. E assim foi, primeiro, ela contou pra irmã mais nova,. Pela manã, ela reuiniu numa roda de chimarrão, o restante da família e contou novamente.
À tarde, uma amiga foi lhe visitar e ela contou. Era uma forma de lembrar dele também, de como um prefixo transforma a desgraça em graça... E, agora, dois meses depois, ela contou pros colegas de faculdade, numa bela manhã de sol, no lago do campus Carreiros.
Texto original do Best Seller O Romance de Miss Saliência & Irmãos Coragem.